sábado, 30 de julho de 2016

LADRÃO DE JARDIM

- "Um belo sonho", que digas, já eu o sei!
Falo-vos agora das flores do jardim mágico que roubei
E naquela cela sombria, sem gradis, que vivo,
Em sigilo guardei
Em lugar profundo,
Longe de mim, o mais imundo
jardineiro que Deus pôs neste mundo -

DALÍ, S. O Monte Agradável

Roubarei as flores do jardim mágico;
Plantarei em minh’alma as raízes ramosas;
Sonharei com perfumes, matizes e pétalas;
Sugarão de meu âmago nutrientes às rosas.

Cantarei minha glória, do furto, às cores;
Gozarei no deserto um jardim Ordinário;
Farei de angustias o banquete funéreo
A vesti-las do néctar de meu doce sudário.

Ó sublime campo de trevas faminto,
Florirás prima graça mesmo em tempos de estio:
De meu cerne o infinito de dor e ruína,
De meus anos doridos as lembranças sem brio.

Jardineiro eu serei de minha própria desgraça,
A colher rubros versos se do ódio regar:
De alvas tristezas a distintos buquês;
De meu corpo vazio florescerá casto mar.

E quando ao fim todo eu às raízes sorvido,
Para a longa eternidade deixado de ser,
O jardim volverá ao altar por mim construído
A contemplar da rosa sem pétalas meu coração renascer.

Roubei as flores do jardim mágico,
Às guardei em segredo, longe do mundo;
Desapontadas, não fincaram meu desejo, agora já trágico;
Disseram não poder ajudar quem já é um defunto.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

VARAIS

KENSETT, J. F.  New England Sunrise

Não é saudável procurar
no mundo a beleza de um quadro;
Correr o risco
de crer que o belo vem das coisas,
das tentativas de tê-las presas
em varais de telas, a lhas secar o tempo
e lhas dourar as formas;
Do mundo,
pôr-se à beleza
é descobrir a dor sentimental exterior;
E do que pensa ser a fonte,
não se a tem sem tomar-se
por culpado de tristeza

todo o tempo em que nela se detém.