Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores — secreto —
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.
Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.
Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.
Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso — mais alto — refloresça.
Caspar David Friedrich (German, 1774-1840), Kügelgen's Tomb (1821-22). |
- Henriqueta Lisboa, in "Poesia geral", 1985.
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